A Secretaria Estadual de Infraestrutura e Logística (Seinfra) lançará um plano diretor para reformular o Sistema de Transporte Intermunicipal no Rio Grande do Sul. A iniciativa será balizada por uma consultoria privada, que será contratada nos próximos meses.
“A meta é corrigir distorções, estabelecer mudanças regionais no serviço de transporte intermunicipal e reformular as linhas”, ressalta o titular da Seinfra, Beto Albuquerque. Segundo ele, o processo seguirá os mesmos moldes do adotado em relação às estações rodoviárias. Somente a partir dos estudos elaborados pela consultoria será aberto o processo de licitação para a contratação das empresas.
Algumas distorções começaram a ser registradas. Em função da redução no número de passageiros — fenômeno identificado nos últimos anos (devido à substituição pelo transporte escolar, a “ambulancioterapia” e, principalmente, à utilização do veículos particulares) —, algumas empresas passaram a diminuir o número de viagens e a alterar rotas. Isso ocorreu ainda para evitar que o valor das passagens tivesse grande elevação.
Nesse processo, porém, foi identificado que serviços de alta qualidade atraem passageiros. Nas linhas que ligam Porto Alegre a Caxias do Sul e a Passo Fundo, alguns ônibus têm um padrão de conforto maior. Houve investimentos em tecnologia que resultaram na oferta de Internet a bordo. “Fica evidente que, se o serviço é bom, o passageiro migra para ele”, afirma o superintendente de Transporte de Passageiros do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), Saul Sastre.
O Daer passou a fazer levantamentos específicos por região para verificar onde há maior demanda ou não de usuários do transporte coletivo. Segundo Sastre, a ociosidade refletiu diretamente na redução de linhas e rotas, como já está ocorrendo, afetando diretamente a economia dos municípios de pequeno porte, que acabam ficando isolados.
Os setores mais afetados são comércio e serviços. O transporte de produtos e pequenas cargas, que também é feito por meio dos ônibus, está prejudicado ou encarecendo as operações. Entre as regiões, o problema pode ser constatado em Ijuí e cidades próximas, no Oeste do Estado,em Santa Catarina e Paraná.
O presidente da Federação Gaúcha de Associações de Moradores, Valério Lopes, acredita que o baixo patamar resulta da falta de mobilização da população. “É preciso haver um instrumento efetivo para que os usuários possam fazer as reclamações e terem retorno prático.” Uma das críticas é a baixa efetividade da fiscalização.
O transporte coletivo intermunicipal é um serviço público oferecido por empresas por meio de contratos. Segundo o Daer, existem 257 empresas operando em 325 estações rodoviárias, com 1.659 linhas, em 12 mil horários, utilizando 3.384 veículos. Os ônibus realizam anualmente 1,7 milhão de viagens, transportando 55,8 milhões de passageiros e movimentando R$ 600 milhões.
Falta conexão direta entre cidades
Um dos problemas que mais se agravou nos últimos anos em relação ao transporte intermunicipal foi a redução das rotas e dos horários das viagens. A situação é mais drástica entre as cidades do Interior. De acordo com o presidente da Federação Gaúcha de Associações de Moradores (Fegam), Valério Lopes, os serviços tiveram uma grande queda na qualidade a partir de 2000. “Houve uma redução drástica na regularidade das viagens e mudanças nos trajetos. Em muitos casos, não há uma conexão direta entre as cidades e muitos passageiros precisam se deslocar até a Capital para depois seguirem até o município desejado”, explica Lopes, citando ainda que a maioria dos veículos não passou por adaptações a fim de assegurar a acessibilidade universal.
Para ele, os problemas são resultantes da falta de fiscalização e do descaso com o transporte coletivo. “Ao invés de ser incentivado, é desprezado. Assim, o passageiro acaba optando por fazer a viagem de carro”, afirma. Segundo ele, uma passagem de Porto Alegre a Uruguaiana tem custo alto. “O custo da tarifa executiva fica em R$ 160. Duas pessoas gastam muito menos para fazer o mesmo trajeto em um automóvel”, compara.
Uma das alternativas para melhorar a situação, acredita Lopes, seria por intermédio de uma concorrência pública, que ainda não tem data para ocorrer. Existe grande preocupação com a qualidade do transporte intermunicipal, já que é a principal modalidade de movimentação coletiva de usuários entre as cidades. Assim, tem grande impacto econômico.
A importância do tema fez com que a Assembleia Legislativa instalasse uma Comissão Especial. Os trabalhos, que ocorreram ao longo de 2010, foram presididos pelo então deputado Luis Augusto Lara, que atualmente é secretário estadual de Trabalho e Desenvolvimento Social. Ele lembra que o chamamento para o debate se deu em consequência do volume de reclamações dos usuários e da precariedade de alguns serviços prestados. Um dos pontos mais importantes que resultaram dos debates foi a necessidade urgente da realização de licitações para definir as concessões.
“O modelo que existe se mostrou ineficiente e defasado. Por isso, a urgência de que haja um ajustamento que leve, principalmente, em conta as características regionais e municipais”, afirma o ex-deputado Lara, lembrando que em algumas cidades do interior do Estado a situação é de total abandono.
Má conservação de ônibus e atrasos
Atrasos, qualidade dos veículos e alterações nas rotas são algumas das falhas relatadas pelos usuários em reclamações formalizadas à Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs) nos primeiros meses deste ano. “Com fiscalização e multa adequadas o serviço poderá melhorar efetivamente”, diz o vice-presidente da Agergs, conselheiro Luciano Schumacher Santa Maria.
Apenas nos primeiros quatro meses deste ano, a Ouvidoria da Agergs recebeu 201 reclamações relacionadas ao transporte intermunicipal de longo curso e suburbano. Dessas, 36 estavam relacionadas à conservação dos ônibus, 28 à superlotação e 24 a atrasos. Problemas com itinerário e oferta de horário totalizam nove reclamações. O transporte é o segundo serviço que mais recebeu reclamações, seguido por energia elétrica. Segundo Santa Maria, a fiscalização é feita constantemente, com equipes apurando as denúncias in loco ou realizando vistorias periódicas, mas não avança por falta de poder de punição ou de multa. Explica que a Agergs recebe as reclamações por meio dos canais de comunicação e audiências públicas, mas não tem capacidade de exigir mudanças às empresas. “Não podemos multar ou tomar outro tipo de providência mais firme que faça com que a postura das empresas mude”, afirma, lembrando que todas as reclamações são repassadas às empresas. (CP) – Expediente:
Produção: Luciamem Winck e Maria Piovesan/Foto: Mauro Schaefer
Reportagens: Agostinho Piovesan, Deolí Gräff, Mauren Xavier, Otto Tesche e Paulo Renato Ziembowicz